Banco Central tem condições de controlar a inflação, diz Henrique Meirelles
Presidente que por mais tempo ocupou o comando do Banco Central — oito anos, entre 2003 e 2011 —, Henrique Meirelles afirma que a autoridade monetária tem todas as condições para controlar a trajetória de alta da inflação e evitar que as expectativas para 2022 sejam contaminadas. A prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi a 0,72% em julho, o maior salto para o período em 17 anos —, e somou avanço de 8,59% no acumulado de 12 meses. O atual responsável pelas finanças do Estado de São Paulo reconhece que, no curto prazo, a pressão inflacionária preocupa, mas afirma que o movimento é reflexo da desorganização das cadeias produtivas causada pela pandemia do novo coronavírus e que o fenômeno tende a se dissipar com o avanço da imunização. “Precisa haver uma quebra desse processo na medida que ocorra a regularização da atividade econômica com a vacinação. O Banco Central tem condições para fazer isso”, afirma em entrevista ao site da Jovem Pan. O Comitê de Política Monetária (Copom) divulga na quarta-feira, 4, os novos rumos da Selic, atualmente em 4,25% ao ano. O mercado está convicto de que a taxa de juros sofrerá um acréscimo de 1 ponto percentual, alta mais robusta do que o 0,75 ponto percentual dosada pelo colegiado nas últimas três reuniões. “Tem que fazer o que for necessário para controlar e dar confiança. Aí pode baixar os juros na frente à medida que as expectativas caiam.”
Se as projeções para a inflação são otimistas, o mesmo não ocorre para a aprovação da agenda de reformas econômicas pelo Congresso. Mesmo reconhecendo os méritos da reforma tributária, Meirelles afirma que somente uma mudança ampla, envolvendo os impostos da União, Estados e municípios, tem potencial para manter um crescimento sustentável da economia. Na outra ponta, também é necessária uma reformulação da maquina pública que corte os custos atuais. Ambas, porém, não têm perspectivas de serem aprovadas em 2021. “Não é algo que se consegue fazer, mesmo que muito bem executado, em pouco tempo. Mas é um processo que não pode parar”, diz. Sobre a equipe econômica, o ex-ministro da Fazenda afirma que a direção da política está correta, mas o ritmo deixa a desejar. “Falta unidade no governo, uma visão clara do que deve ser feito e uma capacidade de aprovação e implementação.” Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Estamos caminhando para um cenário com inflação alta, desemprego recorde e crise hídrica. O governo consegue reverter essa situação? O problema maior é a crise hídrica. Para isso tem que se promover, em primeiro lugar, a racionalização do consumo de energia mediante a conscientização da população em uma melhor organização de uso de energia para diminuir o uso em horários de pico. Tem que ter mais facilidades para investimentos em fontes alternativas de energia que não precisam passar necessariamente pela energia hídrica. Seria energia solar, eólica. Os maiores países do mundo já estão tendo importante parte das suas energias vindo dessas fontes, e nós temos muito espaço para isso no Brasil. Não falta sol, e vento também não.
A inflação preocupa? No curto prazo, sim. Desde que não seja controlada essa evolução de expectativa. De um lado, a inflação é o resultado muito da desorganização da cadeia produtiva em função da pandemia. Precisa haver uma quebra desse processo na medida que haja a regularização da atividade econômica com a vacinação. O Banco Central tem condições para fazer isso. O Banco Central tem que tomar uma atitude firme. Está se falando no aumento maior de juros. Tem que fazer o que for necessário para controlar e dar confiança. Aí pode baixar os juros na frente à medida que as expectativas caiam. Acho que o Banco Central tem todos os instrumentos e tem tempo e condições para controlar a inflação corrente e as expectativas de inflação. Vamos aguardar e esperar que isso seja feito de fato.
A alta do PIB para acima de 5% em 2021 é sustentável? Não. Essa recuperação é produto da queda muito forte do ano passado, e que gera essa possibilidade de recuperação maior. Mas os economistas já estão prevendo um crescimento no ano que vem entre 1,7% e 2%. Já voltando para um padrão de crescimento do Brasil nos últimos anos. O Brasil caiu 4,1% em 2020, mas em 2019 já tinha crescido 1%, e 1,7% em 2018. A tendência é voltar para esse padrão. Para aumentar isso, seria necessário todas as reformas de produtividade, concessões de rodovias para diminuir o custo de transporte e elevar a eficiência.
A agenda de reformas consegue ser aprovada em 2021? Espero que sim, mas precisa discutir qual reforma tributária. Se for essa apenas de impostos federais ou se é a reforma ampla, envolvendo tributos estaduais e municipais. Essa eu acho menos provável de ser aprovada em 2021, apesar de que seria o ideal. Por outro lado, a reforma administrativa é muito importante, mas não acredito que seja aprovada neste ano. É necessário que seja feita uma reforma para valer, isto é, que corte de fato os custos do financiamento da máquina pública, que é o que fizemos com a reforma administrativa de São Paulo.
O governo mais acerta ou erra na condução da economia? Está na direção certa, mas o processo de execução está um pouco vagaroso. Está devagar. Falta unidade do governo, uma visão clara do que deve ser feito e uma capacidade de aprovação e implementação disso. Aprovação pelo Congresso e implementação pelo Executivo.
Falta articulação ao governo para aprovar a agenda de reformas? Não há dúvida que toda essa mudança visa melhorar a articulação do governo no Congresso. Se vai conseguir, é uma questão de ver. Hoje está tendo problema. Na minha época no Ministério da Fazenda, o principal interlocutor era o próprio ministro. Agora, está se criando a figura desse interlocutor para todos os assuntos, sendo o chefe da Casa Civil. Espero que funcione. Não está claro, temos que ver como vai se desenvolver esse processo. Não é algo que se consegue fazer, mesmo que muito bem executado, em pouco tempo. Mas é um processo que não pode parar, e em um espaço de poucos anos conseguir aumentar a produtividade.
Há algo que o governo pode fazer no curto prazo? Primeiro, é importante combater a inflação, que envolve o aumento de juros e prejudica um pouco o crescimento. Controlando a inflação, há mais confiança para investimento no médio e longo prazos, portanto aumenta as expectativas de crescimento para os anos seguintes. É importante também o controle fiscal de maneira que o teto seja rigorosamente seguido, também para haver disponibilidade de investimento pelo setor privado na medida que haja mais confiança na questão fiscal brasileira, e portanto maior disponibilidade para investimento nacional e internacional. É todo esse processo de criar as facilidades para se produzir no país.