Coligações partidárias e o retrocesso
Um dia depois de encerrar de vez a tramitação da PEC do Voto Impresso, rejeitada no plenário, a Câmara dos Deputados aprovou, em primeiro turno, outra PEC, a 125/11, que promove mudanças na legislação eleitoral e ressuscita as coligações nas eleições proporcionais, prática que havia sido proibida em 2017. Ganham, com isso, os pequenos partidos, que não têm representatividade suficiente para conquistar sozinhos o voto do eleitor e se viam ameaçados pela combinação entre a proibição das coligações e a cláusula de barreira.
A volta das coligações em eleições proporcionais corria lado a lado com a ideia do “distritão”, em que passariam a ser eleitos vereadores ou deputados aqueles que fossem mais votados, na mesma quantidade de cadeiras disponíveis. No entanto, o “distritão” seria um péssimo negócio para as legendas pequenas: ele tornaria sem efeito o eventual retorno das coligações, pois deixaria de existir o quociente eleitoral, justamente o mecanismo que permitiria aos partidos menores eleger candidatos, pegando carona na votação maior dos pesos-pesados da coligação.
Seria preciso, portanto, escolher entre o “distritão” e a volta das coligações, e a Câmara optou por sacrificar o primeiro para aprovar a segunda. A iniciativa de propor o retorno das coligações partiu não dos partidos menores (embora tenha contado com apoio deles), mas do PT, um dos campeões nacionais do voto de legenda, quando o eleitor não escolhe um candidato específico a vereador ou deputado, mas digita apenas o número do partido na urna eletrônica – outra prática que hoje ajuda legendas a eleger candidatos, mas que o “distritão” também tornaria inócua.
É preocupante ver o retorno das coligações para a escolha de vereadores e deputados, trazendo de volta o problema das coligações de conveniência que ignoram completamente afinidades ideológicas
Se por um lado é preciso saudar a derrubada do “distritão” – sistema que, apesar de ganhar em simplicidade, tem diversos pontos negativos, como o enfraquecimento dos partidos –, por outro é preocupante ver o retorno das coligações para a escolha de vereadores e deputados. Elas trazem de volta um problema recorrente (ao menos até 2017) do cenário político brasileiro, com coligações de conveniência que ignoram completamente afinidades ideológicas. Como resultado, o eleitor pode muito bem votar em um candidato de um partido cujas plataformas apoie, mas esse voto ajudará a eleger outro candidato que, estando na mesma coligação, pertence a um partido com bandeiras diametralmente opostas àquelas do eleitor. Nas eleições municipais de 2020, por exemplo, PT e PSL fizeram parte da mesma chapa para prefeito em quase 150 municípios brasileiros. Se as coligações para vereador estivessem em vigor naquele ano, eleitores desses municípios poderiam votar em um candidato do partido de Lula e acabarem elegendo um candidato do partido que ainda abriga muitos aliados de Jair Bolsonaro, ou vice-versa.
No Senado, entretanto, não há o mesmo apoio ao retorno das coligações nas eleições proporcionais. O presidente da casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), chamou a volta das coligações de “retrocesso” e afirmou que os senadores preferem manter as regras definidas em 2017, o que corresponde à rejeição tanto do “distritão” quanto da volta das coligações. A Câmara ainda vota a PEC 125/11 em segundo turno na terça-feira, etapa que deve apenas confirmar o que já foi feito dias atrás, antes de enviar o texto ao Senado. Ali, se a previsão de Pacheco se confirmar, fica aberta a porta para que sejam mantidos os avanços da reforma feita quatro anos atrás, mas que ainda não terminam de atacar as reais deficiências da estrutura partidária brasileira.
Virou lugar comum afirmar que o Brasil tem partidos demais. O problema real, no entanto, não é este, mas o fato de que os partidos, pelo mero fato de existirem (após superarem uma série enorme de burocracias para conseguirem seu registro), passam a ter direito a uma série de benesses, incluindo o acesso aos imorais fundos partidário e eleitoral. Graças à cláusula de barreira (que a PEC aprovada em primeiro turno também mitigou, ao permitir a inclusão de senadores no cálculo), esse acesso ganhou algumas limitações, mas ainda assim continua sendo um bom negócio comandar um partido político no Brasil.
Seria preciso inverter completamente o sistema. Fundar um partido deveria ser algo extremamente simples, mas esse partido só poderia pleitear qualquer tipo de apoio bancado pelo contribuinte (embora o ideal fosse que a manutenção dos partidos não envolvesse forma alguma de financiamento público) caso se mostrasse capaz de representar parcela significativa do eleitorado brasileiro, o que exigiria cláusulas de barreira ainda mais rígidas que a atual. Estas mudanças e a adoção do voto distrital misto revolucionariam a política partidária nacional para melhor.