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Por que multinacionais estão enxugando operações ou deixando o Brasil

Depois de 103 anos no Brasil, a Ford anunciou, em janeiro, o fechamento das três fábricas no país. A montadora norte-americana, que está concentrando esforços na produção de SUVs, vai importar os veículos da Argentina. Antes, em 2019, tinha anunciado o fechamento da fábrica de caminhões.

Movimento parecido fez a Sony, que tinha uma fábrica havia 48 anos na Zona Franca de Manaus, onde produzia TVs, câmeras e produtos de áudio. As operações foram encerradas em março. A empresa japonesa justificou o ambiente de mercado e a sustentabilidade dos negócios para findar as atividades no país.

Outro gigante que está de saída é a indústria de cimento franco-suíça LafargeHolcim, mesmo diante das perspectivas favoráveis para o segmento. A empresa decidiu, em abril, vender o negócio. O objetivo é o de reduzir a presença no mercado de cimento e ampliar a atuação nos segmentos de materiais e produtos de construção. Também teria pesado a decisão de se concentrar em países de moeda forte e onde possa ter maior rentabilidade.

Mesmo empresas da nova economia estão optando por sair do Brasil. A Cabify, que operava serviços de mobilidade em oito cidades brasileiras, alegou a busca por maior rentabilidade e a preocupação com questões sanitárias e socioeconômicas para deixar de operar no Brasil a partir de 15 de junho.

Esses retratos mostram a queda do apetite dos estrangeiros pelo Brasil. Desde 2017, pelo menos 21 multinacionais (veja lista ao fim da reportagem) anunciaram a saída do país ou promoveram fortes reestruturações em seus negócios.

Indicadores mostram baixo apetite do investidor estrangeiro
Segundo o dado mais recente, relativo a março, o saldo do investimento direto no país (IDP) – indicador apurado pelo Banco Central que mede a quantidade de recursos estrangeiros aplicados no setor produtivo – acumulado em 12 meses equivale a 2,73% do PIB nacional, patamar similar ao verificado em 2010.

Em dezembro de 2018, esse indicador estava em 4,08% do PIB, segundo o BC. Subiu para 4,15% do PIB em maio de 2019, mas passou a cair na sequência, encerrando aquele ano em 3,68% do PIB.

O movimento de retração ficou ainda mais forte em 2020, sob forte impacto da pandemia, que reduziu o fluxo de investimentos em nível global. De acordo com estimativa da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o investimento estrangeiro no mundo todo caiu 42% no ano passado.

No Brasil, segundo os dados do BC, o tombo foi um pouco mais forte: o investimento estrangeiro no setor produtivo encolheu 51% em 2020, para US$ 34,2 bilhões, o equivalente a 2,37% do PIB. Foi o menor valor desde 2009, ano dos principais impactos da crise do subprime.

As estatísticas do BC mostram que o investimento estrangeiro no Brasil começou a perder força meses antes da pandemia. Mas, mesmo com ela, o país tinha – em tese – um cenário favorável à entrada desses recursos, que poderia ter contido as perdas. Segundo Mauro Rochlin, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), o Brasil tem um amplo mercado consumidor, com mais de 210 milhões de pessoas; uma indústria ainda relevante entre os países emergentes; estabilidade nas contas externas; valorização das commodities; e um real muito desvalorizado, que torna o país muito barato para a entrada de capitais estrangeiros.

Outro termômetro que revela a queda do interesse pelo Brasil está nas fusões e aquisições de empresas. Foram 225 operações com a participação de estrangeiros em 2020, queda de 23% em relação ao ano anterior, segundo a PwC. O número de transações é o menor desde 2010. E, desde o início da série histórica, em 2002, a participação externa no número de negócios nunca foi tão pequena: 22,3% do total.

Segundo Mikail Ojevan, especialista da consultoria, em tempos de instabilidade os investidores preferem navegar em mares que conhecem melhor. Isto explicaria a forte presença do capital nacional nas operações de fusões e aquisições.

“O Brasil tem um sério problema de competitividade. O custo Brasil é elevado e a produtividade é baixa”, destaca Victor Scalet, estrategista macro da XP Investimentos.

Ainda que a pandemia tenha afetado o mundo todo, há indícios de que o interesse de investir no Brasil diminuiu muito em relação a outros países. Estudo feito pela consultoria internacional Kearney mostra que o país vem perdendo relevância entre as economias mais importantes. Em 2015, o país ocupava o sexto lugar nas perspectivas de investimento direto estrangeiro em um horizonte de três anos. No ranking de 2021, caiu para a 24.ª posição. Outras duas economias emergentes estão em melhor situação: a China (12.ª posição) e os Emirados Árabes Unidos (22.ª).

A consultoria aponta que o humor em relação ao Brasil piorou por deterioração na economia, no ambiente de governança e pelas dificuldades no combate à Covid-19.

“O Brasil caiu em função da deterioração na economia doméstica e do ambiente de governança. Durante a pesquisa, o país iniciou a campanha de vacinação, que se mostrou lenta. O governo foi acusado de falhar na distribuição de vacinas enquanto negligenciava as ameaças causadas pelo vírus. Também surgiu uma cepa mais letal e mais contagiosa no país. Descontentamentos populares levaram a protestos antigovernamentais em algumas das maiores cidades, incluindo Rio e São Paulo”, aponta o relatório do estudo.

 

 

 

Fonte: Gazeta do Povo

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