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STF rejeita delação de Sérgio Cabral e inviabiliza investigação contra Toffoli

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por 6 votos a 4, anular a delação premiada do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (MDB). A colaboração foi contestada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), que não participou da negociação do acordo, firmado pela Polícia Federal e homologado pelo ministro Edson Fachin, em janeiro de 2020. O caso foi julgado no plenário virtual da Corte, sem necessidade de reunião presencial ou por videoconferência — e longe dos olhos da opinião pública e das transmissões da TV Justiça.

A decisão barra de vez a possibilidade de investigação de uma suspeita contra o ministro Dias Toffoli. Em um dos anexos da delação, Cabral disse ter conhecimento de pagamentos na ordem de R$ 4 milhões para Toffoli em troca da venda de decisões judiciais favoráveis a dois prefeitos fluminenses no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde o ministro do STF ocupou uma cadeira entre 2012 e 2016. A Polícia Federal solicitou autorização ao STF para abrir inquérito contra Toffoli, mas Fachin negou o pedido monocraticamente.

Em parecer enviado à Corte, o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros defendeu que as informações prestadas pelo ex-governador sejam declaradas “inidôneas”. O vice-procurador disse que Cabral “age com má-fé” e que o ex-governador apresentou apenas fatos já conhecidos e sem elementos mínimos de prova capazes de justificar a abertura de novos inquéritos.

Votaram pela rejeição da delação premiada de Cabral, conforme pedia a PGR, os ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux, presidente da Corte. Votaram a favor da homologação os ministros Luis Roberto Barroso, Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Cármen Lúcia. Toffoli ainda não votou (o julgamento termina às 23h59 de sexta-feira, dia 27), mas a tendência é que ele se declare impedido, já que o resultado não pode mais ser revertido.

Gilmar sugere que PGR investigue delegado responsável por delação de Cabral
No voto em que defendeu a anulação do acordo de colaboração premiada de Sérgio Cabral, o ministro Gilmar Mendes sugeriu a investigação do delegado da Polícia Federal Bernardo Guidali Amaral, responsável pelo caso, por indícios de abuso de autoridade e violação de segredo profissional.

Gilmar chamou atenção para uma cláusula do acordo de colaboração que permitiu ao ex-governador ir apresentando informações a “conta gotas”. Para o ministro, a condição é ilegal, uma vez que o delator é obrigado a narrar todos os crimes sobre os quais tem conhecimento de uma única vez. Na avaliação do ministro, a prerrogativa abriu caminho para “incontáveis ilegalidades”, incluindo a produção de documentos contra Toffoli sem autorização do STF.

“A autorização genérica para a apresentação de novos anexos pelo colaborador premiado não possibilita que o delegado responsável pelo caso produza centenas de documentos contra membro deste Tribunal sem prévia autorização da Corte”, escreveu.

Gilmar afirma ainda que o delegado investigou, sem autorização, outras autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função. “É absolutamente censurável a deflagração dos procedimentos de investigação contra autoridades detentoras de foro em evidente usurpação da competência da PGR e desta Corte”, criticou.

“Os episódios deflagrados nesse processo acendem ainda uma preocupação institucional da mais absoluta gravidade. Chama a atenção o fato de delegados de polícia poderem endereçar representações diretas aos Ministros do STF. Isso porque, tal sistemática contrasta diretamente com aquela que vige no âmbito do Ministério Público Federal, em que o exercício das atribuições ministeriais perante esta Suprema Corte fica a cargo de uma unidade especializada, que é a Procuradoria Geral da República.”

O ministro afirma ainda que Amaral tentou “criminalizar” o arquivamento de parte dos inquéritos abertos a partir da delação do ex-governador. Em 2019, depois formalizar a colaboração e autorizar a abertura de 12 frentes de investigação, Fachin encaminhou a Toffoli os processos para que o então presidente do Supremo analisasse se seria o caso de redistribuí-los a outro membro do tribunal. De saída da presidência, Toffoli pediu um parecer da PGR, que opinou então contra o prosseguimento das investigações, o que foi confirmado por ele em setembro do ano passado. Quando o Ministério Público Federal, que é o titular da ação penal, se manifesta pela rejeição de um inquérito, é de praxe que os ministros promovam o arquivamento.

“A Autoridade Policial realizou diversas investigações ilegais de autoridades detentores de foro por prerrogativa de função neste STF, sem prévia autorização do Tribunal, bem como para tentou criminalizar atos praticados pelo Procurador-Geral da República e pelo então Presidente do STF”, disparou.

Veja como cada ministro do STF votou

Edson Fachin

Embora tenha homologado a delação de Cabral, Fachin defendeu a derrubada da própria decisão. Isso porque, na avaliação do relator, se o Ministério Público não considerou “suficientemente relevantes e inéditas” as informações prometidas no acordo, o ex-governador não poderia ter procurado outro órgão de investigação para negociar a colaboração premiada. A proposta de delação de Cabral já havia sido rejeitada pela força-tarefa da Lava Jato no Rio.

Fachin observou que, ao homologar a colaboração de Cabral, ele seguiu a orientação majoritária do Supremo, que deu autonomia aos delegados da Polícia Federal para fecharem acordos de colaboração premiada, mas defendeu que o recurso da PGR poderia abrir caminho para revisitar essa tese.

“O acordo em âmbito policial não pode se transformar numa nova oportunidade para que o candidato a colaborador, cujos elementos de convicção de que dispunha tenham sido considerados insuficientes por um agente estatal, possa submeter sua proposta a uma segunda análise. Deve o Estado-Acusação manifestar-se a uma só voz”, escreveu.

Por outro lado, Fachin registrou que, caso o mérito do caso seja analisado, seu posicionamento seria por negar o recurso da PGR, “em respeito à colegialidade”.

Gilmar Mendes

Gilmar Mendes também defendeu que a delação de Cabral seja declarada sem efeito. Segundo o ministro, o acordo “não atende aos padrões mínimos de legalidade e não se vislumbra, na sua celebração, a existência de interesse público”.

“O resultado desse processo mostra que as narrativas do colaborador e o seu acordo em si revelaram-se absolutamente imprestáveis para a persecução criminal. As estratégias do colaborador voltadas ao constrangimento dos órgãos de persecução criminal e deste próprio Tribunal tinham como finalidade não a elucidação da verdade material, mas sim a profusão de narrativas falsas como combustível da sua aventura em busca de liberdade a qualquer custo”, escreveu.

No entanto, ao contrário de Fachin, Gilmar não entrou no mérito da discussão sobre eventual reforma da tese que deu legitimidade para a autoridade policial celebrar acordo de colaboração premiada. Ele foi acompanhado integralmente pelo ministro Nunes Marques.

Luis Roberto Barroso

Ao contrário de Fachin e Gilmar, Luís Roberto Barroso foi o primeiro ministro a se manifestar pela manutenção da decisão que homologou a delação de Cabral. Barroso também lembrou do julgamento em que o STF reconheceu a legitimidade dos delegados para a celebração de acordos de delação, indicando ainda que para uma eventual superação do entendimento fixado no plenário em 2018 seria necessária uma “clara alteração das circunstâncias fáticas ou normativas ou, ainda, a apresentação de razões jurídicas extremamente fortes”.

“Não reputo que tenham sido demonstradas alterações das circunstâncias fáticas, nem trazidos ao debate argumentos novos que autorizem a modificação da compreensão estabelecida em 2018. Além disso, do ponto de vista normativo, a Lei n° 13.964/2019 alterou substancialmente o regime da colaboração premiada e, ainda assim, manteve a previsão expressa de legitimidade do delegado de polícia para a celebração do acordo”, registrou.

Por outro lado, o ministro ressaltou que a homologação do acordo “não implica reconhecimento de que as declarações do colaborador sejam suficientes, isoladamente, para a abertura de investigações”.

“Para a instauração do inquérito, exige-se a verificação de indícios mínimos de materialidade e de autoria. Tal exigência reflete o equilíbrio necessário entre os interesses em jogo: de um lado, a liberdade e a privacidade do suspeito, já que a mera instauração do inquérito gera inegável constrangimento; de outro lado, o interesse da sociedade e das vítimas na apuração dos fatos e na punição de eventuais culpados”, defendeu Barroso.

Marco Aurélio Mello

Decano do tribunal, o ministro Marco Aurélio Mello também abriu divergência e se manifestou contra o pedido da PGR para anular a delação do ex-governador. Na avaliação do decano, não cabe analisar o teor da colaboração na fase da homologação.

“Apenas cumpre apreciar os aspectos formais, sem adentrar o conteúdo do acordado. No caso, as formalidades legais, consideradas a espontaneidade, a voluntariedade e a legalidade do ajuste, foram atendidas. A eficácia do que versado pelo delator, levando em conta a veracidade das declarações, é definida mediante sentença, observado pronunciamento do Órgão julgador”, escreveu.

Marco Aurélio não entrou no mérito sobre autonomia da PF para fechar os acordos de colaboração, prerrogativa defendida por ele.

Alexandre de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes chamou atenção para as “mentiras e omissões seletivas” do ex-governador durante as negociações e também concluiu que Cabral não poderia ter procurado a Polícia Federal após ter a proposta de colaboração rejeitada pelo MPF.

“O interessado, portanto, procurou, pela via transversa, garantir os benefícios legais que a lei lhe garante, mesmo, no passado, em situação praticamente idêntica, tendo faltado com a verdade e omitido dados e fatos de relevante importância para o órgão Ministerial”, escreveu.

Ele ainda apontou “graves vícios” no acordo e concluiu que a delação não preenche os requisitos legais. Isso porque, segundo lembra a decisão, a Procuradoria-Geral da República apontou indícios de que o ex-governador continuou ocultando bens e valores mesmo após a assinatura do termo de colaboração.

“No caso concreto, existem circunstâncias aptas a indicar que houve violação dos deveres anexos da boa-fé objetiva nas fases pré e pós-contratual”, concluiu.

Ricardo Lewandowski

Lewandowski disse que as informações sobre o acordo, enviadas pelo Ministério Público Federal ao STF, apontam para “ilegalidade flagrante” e fatos “gravíssimos”. “O referido ajuste, tal como formulado, servirá não mais como um meio de obtenção de prova, mas terá o condão de conferir um atestado de regularidade à parte considerável do produto do crime que ainda remanesce sob controle do colaborador”, escreveu.

Para o ministro, é preciso revisitar a tese sobre a autonomia da Polícia Federal para fechar acordos de colaboração sem a chancela do MPF. “Impõe-se agora, todavia, à luz das múltiplas experiências já ocorridas, que se inicie uma reflexão mais aprofundada quanto à participação do Ministério Público nos acordos de colaboração premiada, entabulados pela autoridade policial, como condição de validade e eficácia destes, particularmente em situações nas quais venham a ser delatadas pessoas com foro especial por prerrogativa de função, cuja investigação depende de pedido do Parquet e de autorização do Poder competente, como é o caso sob exame”, defendeu.

Rosa Weber

A ministra Rosa Weber defendeu que na fase da homologação, a Justiça deve analisar apenas o arcabouço legal da colaboração, sem juízo de valor sobre as declarações prestadas pelo delator. “Um olhar voltado à apuração da regularidade, da legalidade e da adequação dos benefícios pactuados e dos resultados projetados, assim como da voluntariedade da manifestação de vontade do colaborador”, escreveu em seu voto.

Nesse sentido, Rosa concluiu que não é possível entrar no mérito do agravo proposto pela PGR, que contesta a negociação por considerar que não foram apresentados fatos novos e que o ex-governador ‘age com má-fé’.

“A verificabilidade — e, também, a possibilidade de refutação — da tese recursal erigida pelo Parquet resta prejudicada, considerados os limites cognitivos que governam este procedimento homologatório. A consagração de entendimento contrário traduziria, aliás, inegável ofensa ao devido processo legal, com grave restrição aos princípios do contraditório e da ampla defesa”, afirmou a ministra.

Cármen Lúcia

A ministra Cámen Lúcia também defendeu que, na fase da homologação, a Justiça deve analisar apenas o arcabouço legal da colaboração, sem juízo de valor sobre as declarações prestadas pelo delator. “Trata-se de questão a ser decidida em momento processual adequado, após apreciação do material probatório obtido pela colaboração premiada”, escreveu em seu voto.

Nesse sentido, a ministra concluiu que não é possível entrar no mérito do agravo proposto pela Procuradoria-Geral da República. “Não se há cogitar de invalidade jurídica do acordo de colaboração firmada entre delegado de polícia e o colaborador baseado apenas na manifestação desfavorável do Ministério Público”, afirmou.

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