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A economia de Paulo Guedes ameaça o mercado

As tratativas do governo federal para mudar as regras do teto de gastos reforçam o sentimento de pessimismo para a economia brasileira e devem refletir em uma nova onda de revisões para baixo das perspectivas do crescimento no próximo ano. Mudanças na principal âncora fiscal do país geram temor entre os investidores, que passam a desconfiar ainda mais da capacidade de o Executivo em manter o controle dos gastos públicos, sobretudo às vésperas do ciclo eleitoral — período já tradicionalmente marcado por grandes incertezas e volatilidade. O mau humor do mercado leva à saída de dólares do país, que por sua vez pressiona a inflação e força o aumento da Selic pelo Banco Central (BC). No último estágio, a alta dos juros tira forças para que a economia mantenha ritmo de crescimento. Apesar de todos os esforços do ministro da Economia, Paulo Guedes, em afirmar que as mudanças inseridas na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios para inflar as mensalidades do Auxílio Brasil não mudam o arcabouço fiscal, o mercado enxergou no movimento uma brecha que pode culminar com a volta do período de irresponsabilidade com as contas públicas semelhante ao observado em um passado não muito distante. “Essas manobras contábeis foram vistas no período da ex-presidente Dilma Rousseff, e todo mundo sabe que não teve um final positivo. Agora, vemos isso se repetindo no governo de Jair Bolsonaro”, afirma Paulo Duarte, economista-chefe da Valor Investimentos.

O relatório da PEC aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados na noite de quinta-feira, 21, sugere alterar o prazo de correção do teto de gastos, com potencial de abrir mais de R$ 80 bilhões no Orçamento de 2022, ano em que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) deve tentar a reeleição. O novo parecer do relator Hugo Motta (Republicanos-PB) prevê mudar o período acumulado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro a dezembro. Desde 2017, quando a regra fiscal entrou em vigor, o valor leva em consideração o acumulado nos 12 meses encerrados em junho. De acordo com o relator, a mudança resultaria em um ganho de R$ 39 bilhões nas contas públicas. Somado ao acumulado de R$ 40 bilhões a R$ 50 bilhões previsto com o adiamento do pagamento dos precatórios, a PEC traria espaço estimado de R$ 83 bilhões. Na prática, a PEC antecipa a reanálise do teto de gastos, prevista apenas para 2026. O valor deve ser usado para elevar o Auxílio Brasil, o programa social criado para substituir o Bolsa Família, para R$ 400 até dezembro de 2022. O ministro buscou contemporizar o movimento como necessário diante da urgência social gerada pela crise do novo coronavírus. “O teto é um símbolo de austeridade, de compromisso com as futuras gerações. Mas nós não vamos deixar milhares de pessoas passarem fome para tirar dez em política fiscal e zero em assistência aos mais frágeis”, disse Guedes, nesta sexta-feira, 22.

O resultado disso foi o dólar voltar a ser negociado acima de R$ 5,75 durante a tarde de sexta. Horas depois, o câmbio arrefeceu e fechou a semana a R$ 5,66 — o maior valor em seis meses. O mercado de ações também sofreu. O Ibovespa, referência da Bolsa de Valores brasileira, fechou com queda de 1,34%, aos 106.296 pontos, pior patamar desde novembro do ano passado. Para analistas do mercado financeiro, o apoio de Guedes ao trecho que muda a regra fiscal indica uma contradição ao posicionamento de austeridade e controle dos gastos públicos. “O ministro abandonou o discurso que vinha conduzindo até aqui, e isso ancora as expectativas não só em furar o teto de gastos, mas que daqui para frente o governo vai ser mais leniente com a parte fiscal”, diz Duarte. A forte aversão do mercado mostra que a figura de Guedes não representa mais aquela garantia de respeito às regras fiscais que o ministro ostentava até alguns meses atrás. Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha Investimentos, a confiança dos investidores na figura de “fiador” de Guedes ficou abalada. “Toda a credibilidade de manutenção da política econômica foi depositada nele. A partir do momento que se tem uma flexibilidade do ministro para a regra fiscal, fica um espaço para questionamentos de como ele se comportará no futuro”, afirma. O desagravo não se limitou ao mercado. Na noite de quinta, horas depois da aprovação da PEC, quatro secretários de Guedes pediram para sair da equipe econômica. O sentimento de debandada elevou os rumores de que o próprio ministro poderia pedir exoneração na manhã de sexta-feira. O fato, no entanto, foi rechaçado por Guedes durante pronunciamento ao lado do presidente da República na tarde de sexta-feira.

O movimento de instabilidade causado pelas tentativas de mudança no teto de gastos deve reforçar o aumento da inflação — que já está no maior patamar acumulado em 12 meses desde fevereiro de 2016 — gerada pela alta do dólar. Em resposta, o BC se vê obrigado a apertar ainda mais a política monetária, que vem em ritmo de franca expansão com duas altas seguida de 1 ponto percentual, o que a deixa no atual patamar de 6,25% ao ano. A trajetória futura já é vista como contracionista, ou seja, cria empecilhos para a atividade econômica nos próximos meses. A ASA Investments reduziu a perspectiva para o Produto Interno Bruto (PIB) de 2022 de 1,5% para 0,4%, e não descarta que a queda pode ser ainda mais grave e ficar no campo de recessão. “Ainda fazemos uma leitura de que o PIB do ano que vem pode ser um pouquinho positivo, porque há alguns vetores, como a safra agrícola, que se espera ser favorável, o movimento de ampliação de oferta de bens industriais, e também algum efeito da normalização dos serviços”, diz o diretor Carlos Kawall. Na Valor, o sentimento é semelhante. Em relatório aos clientes, os analistas da casa revisaram a expectativa para a recuperação do ano que vem de 1,3% para 0,8%. Ambas as entidades consideram que as ações do governo deterioraram as expectativas da inflação e que o BC deve responder já na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), com alta de 1,5 ponto percentual, elevando a Selic para 7,75% ao ano, encerrando 2021 acima de 9%. “O Banco Central vai precisa ser ainda mais enérgico na subida dos juros, o que representa um movimento anti crescimento justamente em um momento em que as revisões do PIB já estavam sendo feitas para baixo”, completa Duarte.

 

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